Entre tecnologia e prevenção: a urgência da fiscalização de pontes
Por Lígia Mackey e Roberto Racanicchi*
A manutenção preventiva, a adequação e a recuperação para a conservação das pontes representam um desafio constante para a Engenharia brasileira e para a administração pública. Embora o país tenha avançado consideravelmente em tecnologias e conhecimentos técnicos para a construção e restauração dessas estruturas, a ausência de inspeções periódicas e de um planejamento adequado de manutenção preventiva aumenta significativamente os riscos de degradação. O caso da Ponte Juscelino Kubitschek, entre Tocantins e Maranhão, que entrou em colapso no final de 2024, evidencia de forma clara a urgência de ações preventivas e de um monitoramento contínuo e eficaz.
É natural que essas construções sofram desgastes ao longo do tempo, já que muitas vezes foram projetadas para uma realidade diferente daquela em que estão inseridas atualmente, principalmente devido às intempéries, ao tráfego intenso e à idade. Fissuras, trincas e rachaduras podem surgir devido a deformações excessivas causadas pelo impacto de veículos pesados, e agravadas pela degradação dos elementos estruturais. A corrosão das armaduras, por exemplo, é uma das patologias mais comuns nesses casos. O problema ocorre quando a umidade percola pelo concreto de forma descontrolada, acelerando a deterioração de componentes como o aço e comprometendo a capacidade estrutural da ponte.
Outro fator preocupante é a perda de material superficial, que deixa as estruturas expostas a danos severos. A fadiga dos materiais, provocada pela variação de carregamento devido à passagem de veículos e associada à perda de características geométricas dos elementos estruturais, também contribui para o desgaste progressivo.
O aumento do volume de tráfego e os carregamentos elevados fazem com que muitas dessas obras, construídas há décadas, não estejam preparadas para as exigências atuais de uso. Em algumas delas, observa-se até mesmo o crescimento de vegetação em estruturas, o que indica de forma objetiva a presença de patologias relacionadas à umidade e, consequentemente, à falta de manutenção adequada.
Todos esses fatores — combinados ou não — reduzem a durabilidade e a segurança das pontes, podendo levá-las ao colapso parcial ou total. Os elementos estruturais são projetados com base nos esforços solicitantes que atuam sobre eles, considerando combinações de ações permanentes, variáveis e excepcionais. A utilização de concreto armado ou protendido é comum no Brasil devido à sua alta resistência e durabilidade. Em alguns casos, utiliza-se também madeira ou aço, embora esses materiais sejam menos frequentes no país.
O Brasil é referência mundial na tecnologia de construção de travessias e conta com uma norma técnica fundamental para a inspeção e monitoramento dessas estruturas: a NBR 9452:2023. Esta norma estabelece critérios para a periodicidade das inspeções e os métodos de avaliação estrutural, que vão desde inspeções visuais — realizadas por engenheiros que analisam fissuras, deformações e outros sinais visíveis de inconformidade — até ensaios laboratoriais, que avaliam as características físicas e geométricas dos elementos estruturais. Tecnologias mais avançadas, como drones, sensores de vibração e outros equipamentos, também podem identificar problemas de forma precisa e rápida. Há diversos ensaios e métodos normalizados disponíveis para avaliação técnica confiável.
Embora algumas pontes apresentem patologias de execução desde a sua construção, essas são minoria. A maior parte dos problemas críticos resulta da ausência de manutenção preventiva e da falta de reavaliação periódica da capacidade de utilização dos elementos estruturais.
Outro desafio está na atribuição de responsabilidades. As pontes podem ser geridas por diferentes esferas do governo — municipal, estadual ou federal — ou por concessionárias privadas. A inexistência de um plano de manutenção bem definido, somada às dificuldades administrativas para consolidar os responsáveis, deixa muitas dessas estruturas sem os cuidados necessários. Em grandes cidades como São Paulo, onde o tráfego intenso exerce ação constante sobre as estruturas, qualquer falha em um único elemento pode ter consequências graves, impactando a mobilidade urbana e colocando vidas em risco.
O processo de recuperação de uma ponte deteriorada é complexo e exige investimentos elevados. Por isso, são comuns os imbróglios técnicos, atrasos burocráticos e decisões que adiam intervenções essenciais. A inexistência de um programa nacional efetivo de manutenção e restauração coloca muitas dessas obras de arte especiais em situação de risco.
É importante frisar que o colapso de uma ponte não acontece de forma inesperada. Esses eventos são precedidos por sinais evidentes, como fissuras com deslocamentos e deformações excessivas, que devem ser monitorados continuamente. No caso da Ponte Juscelino Kubitschek, relatórios técnicos anteriores ao desastre já apontavam condições críticas e ausência de ações efetivas, o que acabou culminando na tragédia. Sem medidas concretas — e o trocadilho é inevitável — outros colapsos podem acontecer.
A melhor estratégia, portanto, é a prevenção: inspeções regulares, manutenção contínua e reavaliações técnicas. Nesse contexto, iniciativas como a do Crea-SP — que criou um comitê técnico para apoiar os municípios na fiscalização das pontes do estado de São Paulo — são fundamentais. A medida busca responder às constatações de um estudo recente realizado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), que revelou que, das mais de 113 mil pontes existentes no Brasil, cerca de 11 mil estão em situação precária.
Portanto, é imprescindível que haja investimento, planejamento e fiscalização rigorosa para que as pontes brasileiras permaneçam seguras e funcionais para as próximas gerações. Precisamos transformar o conhecimento técnico disponível em políticas públicas eficazes — e assim evitar tragédias anunciadas.
(*) Lígia Mackey é engenheira civil e presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de São Paulo (Crea-SP)
(*) Roberto Racanicchi é engenheiro civil e coordenador do Comitê de Fiscalização de Pontes no Estado de São Paulo do Crea-SP