É possível construir cidades mais inteligentes sem políticas públicas?

Por Conexão Construção 16/08/2024 - 18:45 hs
Foto: CREA-SP
É possível construir cidades mais inteligentes sem políticas públicas?
Lígia Mackey, engenheira civil e presidente do CREA-SP

Por Lígia Mackey*

Em um estado como São Paulo, com 645 municípios e mais de 12 milhões de habitantes, é fácil entender que cada região possui características e, principalmente, necessidades específicas. O desafio é identificar as demandas e realizar ações para reduzir os impactos negativos, uma missão que se torna possível com a ajuda de profissionais qualificados e a participação da sociedade. Conhecer um estado populoso como esse é perceber que muitas questões se repetem e que devemos agir em parceria com os órgãos públicos, as profissões e os cidadãos. Foi com esse pensamento que o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP) realizou os Fóruns de Políticas Públicas, uma iniciativa itinerante que conectou os gestores públicos à área tecnológica para debater e mapear as melhores soluções técnicas para sanar as dificuldades que cada região vivencia. 

O itinerário teve início em Taubaté com um debate sobre mobilidade urbana, levantando questões que envolvem alternativas convencionais e não-convencionais de macrodrenagem e finanças públicas. É necessário falar de custo, produção, logística, transporte alternativo e sustentabilidade para construir um país melhor. Pensando nisso, convidamos os palestrantes para discorrer sobre demandas urgentes de determinados locais, como o Vale do Paraíba com as enchentes, que podem ser resolvidas com a criação de parques alagáveis com controle de vazão e na abertura dos canais. O debate trouxe ainda exemplos de cidades inteligentes, como é o caso de São José dos Campos, primeiro município do País a receber o certificado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), e terminou com uma importante lição: o primeiro passo para tornar os serviços públicos efetivos e as cidades mais inteligentes é o amparo técnico dos profissionais. 

A mobilidade está diretamente ligada ao desenvolvimento urbano, assunto que foi debatido na etapa de Adamantina. Profissionais presentes destacaram o quanto a área tecnológica pode e deve contribuir para uma gestão integrada que oferece uma melhor qualidade de vida. É interessante ver quanto um assunto puxa o outro. Não dá para falar de mobilidade e, principalmente, de desenvolvimento, sem se preocupar com a geração de emprego e renda, redução das desigualdades sociais, gestão de riscos, desastres e preservação ambiental. 

A preservação ambiental ganha força em todo o mundo, gerando discussões sobre possíveis fontes de energia mais sustentáveis e econômicas. Pensando nisso, eficiência energética foi o tema de Ribeirão Preto. Com profissionais especializados na área tecnológica e com a presença de gestores públicos, o futuro energético do país e o desempenho das cadeias produtivas foram destaque. O mundo está buscando novas alternativas de produção e de consumo e, atualmente, temos cases de sucesso para mencionar, como é o caso do Programa Nacional do Álcool (ProÁlcool). As políticas públicas precisam ser pautadas, principalmente quando falamos de preservação, mas precisamos do engajamento de toda a classe.

Mogi Mirim chama a atenção pelo desempenho agropecuário, com uma produção que atrai investidores e profissionais, e foi por isso que a região mogiana foi escolhida para o penúltimo encontro. A característica local foi o gatilho necessário para falar sobre as demandas do agronegócio, trocar experiências com os participantes e mostrar que o Conselho ajuda na conexão entre grandes e pequenos produtores. O que muitos podem não saber é que a conectividade é um dos pontos-chave para a transformação do setor, com destaque para a Agricultura 5.0, que abrange conectividade e operação de máquinas por Inteligência Artificial (IA), e a utilização de Internet das Coisas (IoT) e rede de dados móveis como o 5G para a automação de maquinário e sensores, oferecendo benefícios ecológicos com menor impacto para o meio ambiente.

Como não podia ser diferente, a tecnologia foi apresentada como uma das chaves para a transformação das cidades, assunto que tomou conta do último fórum, realizado em São Paulo. A capital paulista, maior metrópole da América Latina, é o principal centro econômico do país. Em contrapartida, a região é deficitária em diversos aspectos e precisa de atenção com o alto índice de desemprego, violência, trânsito, poluição e outros exemplos que marcam a história da cidade. Para melhorar a qualidade de vida da população, gerar oportunidades para os profissionais e trabalhar para uma cidade melhor, é preciso focar nos problemas da raiz, como saneamento básico e moradia. 

Em diversos locais do mundo, podemos contar com projetos eficientes e práticos, como foi exemplificado pelos convidados internacionais que marcaram presença na edição final do Fórum. Em Medellín, por exemplo, existe o Siata, um sistema que reúne todos os dados e informações climáticas da região para o planejamento da gestão de risco de qualidade do ar e poluição da cidade. Outras referências citadas foram as escadas rolantes nas comunidades e locais com acesso mais restrito, para facilitar a locomoção dos moradores e incentivar a transformação social e econômica na região.

Com todos os assuntos abordados, é evidente que o papel dos órgãos públicos e privados, entidades, universidades e, é claro, da população, estão entrelaçados e interconectados: não há mudança sem a participação de todos. As transformações acontecerão gradativamente ao colocar as pessoas no centro das decisões, valorizando e incentivando a participação de todos no processo de desenvolvimento das cidades.

(*) Lígia Mackey é engenheira civil e presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP)